21/05/2022

Boudicca, a Rainha dos Icenos

Boudicca, conhecida pelos romanos como Boadicea, foi uma rainha celta que liderou os icenos, juntamente com outras tribos bretãs, em levantes contra as forças romanas que ocupavam a Grã-Bretanha em 60 a.D., durante o reinado do imperador Nero.

Pode causar espécie saber da presença de uma mulher à frente das tribos bárbaras que enfrentaram os exércitos durante as conquistas do Império Romano. Porém, o historiador David MacDowall conta em seu livro, An Illustrated History of Britain, que, quando os romanos invadiram a Bretanha, em 43 a.D., duas das maiores tribos celtas eram comandadas por mulheres. Donas de enorme prestígio social elas podiam ser eleitas rainhas e possuíam terras.

Os celtas chegaram à Bretanha por volta do ano 700 a.C., provavelmente provenientes da Europa central, ou mais ao leste, do sul da Rússia. Tecnicamente avançados e hábeis no manejo do ferro e superiores no do cobre, com o qual faziam suas armas, os celtas se instalaram e dominaram diversas regiões, entre elas a Bretanha francesa, o País de Gales, a Escócia e a Irlanda. Ainda hoje é facilmente comprovada sua presença em determinadas regiões onde a cultura e a língua celta se espalharam: na Irlanda, na Cornualha, na Ilha de Man e nas Ilhas Britânicas, particularmente nas terras altas da Escócia.

Não é possível falar de uma raça celta e sim de diversos povos de diferentes origens que compartilhavam certas características como os costumes religiosos e sociais e tinham uma cultura, uma língua e uma tradição artística comuns. Estavam divididos por tribos e governados por chefes guerreiros empenhados em constantes lutas internas. Os celtas adoravam uma corte de deuses e glorificavam a natureza e a fertilidade. Não erigiam templos. Seus rituais religiosos eram celebrados nos campos e florestas, principalmente onde houvesse carvalhos antigos: símbolos do poder e da força divina, ou em círculos mágicos de pedras de que temos notícia ainda hoje, como as ruínas de Stonehenge Avebury, Silburg Hill e outras.

Na sociedade celta havia equilíbrio de poder e igualdade de direitos entre homens e mulheres. De acordo com a pesquisadora Maria Nazareth Alvim de Barros, os celtas não adotavam o sistema patriarcal e as mulheres sempre ocuparam lugar de respeito entre eles, sendo consideradas representantes do lado mágico e feérico do ser. Boudicca, a lendária guerreira celta, uniu as várias tribos, que constantemente lutavam entre si, em um objetivo comum, usando lanças e machados contra os disciplinados e superequipados exércitos romanos.

A fama desta rainha, como a de algumas outras mulheres celtas, assumiu a dimensão de mito em toda a Grã-Bretanha. Uma estátua de Boudicca, representada segundo a concepção da memória popular, é encontrada em Londres, ao lado do rio Thamis, próximo das casas do Parlamento.  A fama de Boudicca tomou proporções lendárias na Grã-Bretanha, e a rainha Vitória foi vista como sua equivalente em termos de grandeza.

A grande estátua de bronze de Boudicca, representa a Rainha dos Icenos em sua carruagem de guerra junto com suas filhas, está localizada ao lado da ponte de Westminster e do Palácio de Westminster. Foi inaugurada pelo príncipe Albert e executada pelo escultor Thomas Thornycroft. Curioso é que o príncipe Albert, Franz Albert August Karl Emanuel, foi o marido da rainha Vitória e príncipe consorte do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, de 1840 até sua morte. Ele nasceu no ducado saxão de Saxe-Coburgo-Saalfeld e, aos vinte anos de idade, casou-se com sua prima direta Vitória, com quem teve nove filhos.  

Os eventos sobre a atuação da rainha Boudicca, foram relatados pelos historiadores romanos Tácito, em Annales e Agrícola, e Dião Cássio em História Romana.

Cerca de 2 mil anos atrás, essa aristocrata da Idade do Ferro liderou uma revolta e quase derrotou os poderosos exércitos romanos que invadiram sua terra natal, no que seria hoje East Anglia, no nordeste da Inglaterra.

Seja amada ou odiada, Boudicca tem um lugar na história como uma pioneira, com a capacidade de reunir um grande número de tropas de tribos diferentes com seu talento natural para comandar. Ela é descrita como uma mulher feroz e poderosa, dirigindo sua própria biga e brandindo uma lança, com seu cabelo selvagem voando ao vento.

Não temos como saber como a rainha realmente era, mas o historiador romano Cassius Dio - escrevendo décadas depois da morte dela - oferece esta descrição: "Na estatura, ela era muito alta, na aparência, aterrorizante, no relance de seu olhar, feroz. (...) Uma grande massa de cabelos vermelhos caía sobre seus quadris, em volta do pescoço havia um grande colar de ouro e ela usava uma túnica de diversas cores, sobre a qual um grosso manto estava preso com um broche."

O nome Boudicca é derivado da antiga palavra britônica "boud", que significa vitória. Boudeg significa portador da vitória, e Boudega - a alternativa feminina -, quem traz a vitória. Podemos presumir que esse não era o nome que a rainha guerreira recebeu ao nascer, mas sim um que ela adotou mais adiante.

O marido de Boudicca, Prasutagus, era o governante da tribo Iceni de East Anglia. Ele foi tolerante com os romanos invasores e por isso foi autorizado a continuar governando seu povo. Mas, com a morte de Prasutagus, os romanos decidiram intervir, tomando terras e, quando Boudicca se recusou a pagar os impostos exigidos, foi publicamente açoitada e forçada a assistir ao estupro de suas duas filhas, com ao redor de 12 anos na época.

Os romanos calcularam mal os resultados de sua punição e também subestimaram a ira de uma rainha desprezada. Boudicca decidiu revidar, reunindo tropas de sua própria tribo e de outras. Os soldados que ela reuniu derrotaram a Nona Legião Romana, destruindo a capital da Grã-Bretanha romana, Colchester, além das cidades de Londres e St Albans.

Após a queda de Londres e St Albans, o governador romano decidiu reunir suas tropas e confrontar o exército de Boudicca. Embora ela parecesse ter uma vantagem numérica, os homens indisciplinados e mal equipados da rainha não eram páreo para a habilidade de tropas romanas, treinadas profissionalmente e bem armadas. Mesmo com dez vezes mais soldados, como hoje se imagina, Boudicca foi derrotada pelo exército romano. Ela morreu logo após seu fracasso, depois de supostamente envenenar-se.

O ataque liderado por Boudicca não foi o único contra a ocupação romana, mas sua rebelião se destaca na história em grande parte porque ela era mulher. A arqueóloga britânica Jane Webster, da Universidade de Newcastle, diz que "mulheres líderes ofendiam as sensibilidades romanas". "Não era a ordem das coisas. É por isso que sabemos muito mais sobre essa rebelião do que sobre muitos outras contra Roma." A professora Miranda Aldhouse-Green, também arqueóloga e autora britânica, acha que Boudicca "é uma figura icônica, porque ela foi uma das poucas mulheres a enfrentar o poder de Roma".

Na verdade, ela continua sendo a única mulher a ter liderado forças combinadas da Grã-Bretanha contra um exército de ocupação. Os registros históricos que temos sobre Boudicca são escassos, faltam detalhes e os que existem são muitas vezes contraditórios, mas Webster diz que "ela permaneceu na literatura e persistiu como um bom exemplo de rebeldia porque era mulher".

Durante o século 16, as pessoas voltaram a se interessar por escritores clássicos, e o relato do historiador romano Tácito sobre a rebelião de Boudicca foi ressuscitado. Outra mulher importante e poderosa no mundo de um homem foi a rainha britânica Elizabeth I, que diz ter se inspirado bastante na história de Boudicca. Muito mais tarde, os vitorianos reinventaram Boudicca como uma figurona do imperialismo britânico.

Talvez a rainha guerreira tenha sido mais apropriadamente reivindicada pelo movimento sufragista e pelas mulheres que lutam pelos direitos femininos, tornando-se modelo importante para uma geração que lutou contra o patriarcado e conquistou o voto para as mulheres. O professor Richard Hingley, arqueólogo da Universidade Durham, no Reino Unido, explica que, por sabermos tão pouco sobre ela, Boudicca "é uma figura muito flexível e ambígua que pode representar muitas coisas diferentes para pessoas diferentes".

Fontes: BBC (Londres, Inglaterra) e Biblioteca da Faculdade de História da PUC-RJ.

 




 


16/05/2022

Theresa Berkley

 A Rainha do Flagelo

 

     Você, por acaso, já ouviu falar na Madame Theresa Berkley? Bem, se não ouviu, vou lhe contar algo interessante sobre ela. Se já ouviu, paciência; vou contar assim mesmo.

Theresa Berkley foi dona de um bordel no número 28 da Charlotte Street, Portland Place, bairro de Londres. Mas sua casa de entretenimento masculino e feminino não era como outra qualquer do ramo.

Em 1718, quando foi publicado, na Inglaterra, anonimamente, um livro chamado Tratado sobre o Uso do Açoite. Embora o título tenha um caráter um tanto científico, o conteúdo continha um teor claramente pornográfico. Rapidamente, o tratado se espalhou pela Europa e virou moda com o nome de “vício inglês”. O que equivalia dizer que ninguém gostava mais de apanhar na cama do que um inglês. É aí que entra madame Berkley. Determinada a atuar na área do entretenimento masculino e tendo ciência do gosto de seus conterrâneos, montou no mencionado endereço, um bordel especializado em tortura e flagelação e, assim, tornou-se a pioneira do sadomasoquismo.

Theresa era uma amante perfeita dessa arte, por isso não ficou só na tradicional coleira e dolorido chicotinho. Sua casa era realmente um local de tortura. Para satisfazer os clientes, ela aprimorou e criou numerosos instrumentos de tortura. Usava diversos tipos de chicotes, de vários tamanhos com nove correias de couro, conhecido como gato de nove rabos, porque tinham nas pontas, unhas de metal, semelhantes a dos felinos.  Varas para o açoite, mantidas na água, de modo que estivessem sempre verdes e flexíveis. Cinta feita de exclusivo couro grosso com pregos de uma polegada, que perfuravam a pele mais dura, e deixavam flagelos que levavam um bom tempo para cicatrizarem. Vários tipos de escovas; como, por exemplo, a escova de furze (uma sempre-viva espinhosa), de urtigas. Além de tudo, na primavera de 1828, uma obra-prima de tortura foi inventada para sua casa: o Cavalo de Berkley.

A descrição desse aparelho, responsável pelos gritos dos clientes de Madame, vem de um nobre inglês vitoriano, aficionado em sacanagens, chamado Henry Spencer Ashbee: “era uma espécie de pau-de-arara móvel que podia ser girado tanto na vertical como na horizontal. Assim, sem muito esforço, a Madame, ou as moças e rapazes que trabalhavam para ela, infligiam a dor exatamente no ponto desejado pelo cliente”. E, por incrível que pareça, conclui Henry, “muitos nobres exibiam com orgulho as marcas e cicatrizes deixadas pelas torturas a que se submeteram”. O cavalo original está, até hoje, exposto na Sociedade Real de Artes, e foi doado pelo Doutor Vance, o testamenteiro dela.

Assim, no bordel de Madame Theresa Berkley, quem ia com bastante dinheiro, poderia ser açoitado, chicoteado, fustigado, agulhado, pendurado, escovado, perfurado, ou seja, torturado até ficar satisfeito.

Segundo o texto abaixo, extraído da correspondência de um devoto apaixonado pela flagelação, e profundo conhecedor do assunto, naquela época, as mulheres eram muito mais apaixonadas em brandir a vara e vice-versa, que os homens:

"Em minha experiência eu conheci pessoalmente várias senhoras da nobreza que tiveram uma paixão extraordinária e uma severidade impiedosa em administrar a vara. Eu conheci a esposa de um clérigo, jovem e bonito, que levou o gosto ao excesso. Eu soube que a pessoa quando bebia tornava-se vulgar e se permitia ser açoitada até que o fundo dela ficasse totalmente em carne viva e a vara saturada com sangue; ela durante a flagelação gritava: 'mais forte! mais forte! ' e blasfemava se assim não fizessem. Dum estabelecimento em Londres, do qual eu suprimo o nome, vinham vinte meninas que passavam por todas as fases do chicote até se tornarem professoras.”

Numa noite de setembro de 1836, a famosa casa de Miss Berkley estava silenciosa. Nem um grito, nem uma visita, madame Berkley havia falecido. Foi uma morte súbita e inesperada, pois era um tanto jovem. Durante oito anos ela não só governou seu bordel com maestria, como foi uma completa mulher de negócio, acumulou durante esse tempo uma considerável soma de dinheiro...

Nessa mesma noite, chega ao número 28 da Rua Charlotte, apressado e aparentando estar nervoso, o Dr. Vance, responsável pelo testamento. “Onde está o cofre de Theresa”? Pergunta para um criado. Era nesse cofre que Theresa guardava todas as cartas, nomes e recibos dos clientes de seu bordel. O doutor, sem nenhum remorso, queimou toda a papelada.

Conta-se que algumas das figuras (masculinas e femininas), de maior destaque da nobreza britânica eram clientes exclusivas do local. Como, por exemplo, o rei da Inglaterra, George IV. Portanto, a história da Inglaterra poderia ser outra, se o doutor não tivesse ateado fogo aos papéis.

Logo após a morte de Theresa, seu irmão, missionário durante 30 anos na Austrália, chegou à Inglaterra, mas quando ele tomou conhecimento de que sua irmã lhe havia deixado a mais famosa casa de flagelação da Inglaterra, como herança, renunciou a propriedade e voltou imediatamente para a Austrália. Na falta do herdeiro a propriedade passou ao Dr Vance; o médico e testamenteiro dela; mas ele também recusou administrar o bordel, e tudo ficou para a coroa inglesa.  

    
    Por essa época, já havia em Londres diversas casas especializadas em flagelação, como as da senhora Collett e da senhora Emma Lee. No entanto, em matéria de dor como êxtase, Miss Berkley foi, indubitavelmente, a rainha de sua profissão, ninguém a superava.

Publicação Original:

https://www.recantodasletras.com.br/biografias/229251

por Ricardo Sérgio em 31/08/2006 Reeditado em 02/09/2010 Código do texto: T229251

 

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